domingo, 18 de abril de 2010

Brilho de um verão eterno.

Era 1975 e as ruas do interior de Minas ainda não eram asfaltadas, os velhos fumavam seus cigarrinhos de palha sentados em seus banquinhos e as mulheres tricotavam e fuxicavam sem parar. As crianças eram felizes, meninos brincavam de carrinhos e meninas de bonecas; moços e moças se paqueravam. E eu? Eu era uma menina tola de dez anos de idade, sentada no meio-fio da calçada, olhando as estrelas que começavam a aparecer no céu.
Naquela época eu não sabia direito o que era exterior, praia, mar e neve. Era sempre aquilo lá mesmo: calor de um eterno verão, com uma velha boneca surrada, cheiro do bolo de chocolate vindo do fogão, pirralhada correndo e gritando, e alguns sonhos. Pouca coisa, grande coisa.
Naquele ano eu ainda não tinha descoberto quem era Caio Abreu, Raul Seixas, Beatles, Dostoiévski ou Lispector; mas eu não chamo isso de ignorância, chamo de ausência de qualquer coisa.
Com o tempo aprendi que ignorância é não ser feliz porque se acha bom demais para sociedade, ignorância é conhecer obras dos mais admiráveis escritores e compositores do mundo, mas nunca ter tido um sonho para quando crescer.
Sei lá, hoje posso dizer que já passei seis meses convivendo com a neve, namorei embaixo de um guarda-sol no meio de Copacabana e gritei "Toca Raaaul" no show do próprio. Não preciso mais sonhar com estrelas, elas vem até mim e as pessoas dizem que sou uma delas; posso dizer que há tempos nao vejo a rua de pedras do interior de Minas, e há muito mais tempo aposentei minha boneca surrada.
Mas não posso dizer que me esqueci daquele ar quente das ruas, daquele brilho de estrela distante e do cheiro de bolo. Posso dizer também que tem coisas que crescem dentro da gente conforme a gente cresce dentro do mundo.


O eterno verão da minha infância é uma dessas coisas.

4 comentários:

Camila disse...

Adorei! Primeiro porque eu adoro esses textos que levam a infância, e você descreveu isso tão bem que eu me senti sentada ao seu lado :) E eu concordo com a sua ideia de ignorância, e acho que as pessoas atualmente gostam de viver nessa ignorância toda. O que na verdade é uma pena :/

beijos

Luciana disse...

Por que será que essas coisas da infãncia a gentenunca esquece? Ontem mesmo, o óleo usado na fechadura da porta da frente da minha casa tinha um cheiro semelhante ao giz de cera que eu usava na escolinha do pré.Ah, que saudade.

Unknown disse...

Cheiros, sensações, barulhos... Como tudo isso fica sendo tão parte de nós, hein? Adoro quando tu põe as coisas em essência nos teus textos, Marry.
Minha blogueira favorita. *-*
Lindo conto...

;*

Francyelly Moura disse...

A melhor coisa pra se fazer de madrugada é ler bons textos.Muito bom seu blog,e concordo que com seu talento com as palavras vc pode sim ser uma estrela!

Bjoos...